terça-feira, 27 de julho de 2010

PRECISA-SE


Precisa-se de mais velhos bêbados esbanjando sua enciclopédia cultural pelas ruas.
Precisa-se de mendigos cantores e poetas suburbanos.

Precisa-se de verdade!
Precisa-se de realidade!
Precisa-se de mais pintores e grafiteiros anarquistas.
Precisa-se de mais parasitas e hospedeiros e seus reconhecimentos humildes.
Precisa-se de menos dentes na boca e mais sorrisos contínuos .
Precisa-se de mais bicho de pé e menos faturas a pagar.
Precisa-se de menos perguntas.
Precisa-se precisar menos.
Precisa-se de homens como o meu pai.
Precisa-se mais de almas.
Precisa-se menos de corpo.
Precisa-se mais de chão.
Precisa-se menos de céu.
Precisa-se esquecer o que é belo.
Para se saber o que é feio.
Precisa-se de mais pulgas e menos cachorros.
Precisa-se de mais velhinhos para cuidar.

Precisa-se de mais crianças com o nariz escorrendo.
de mais sorvete de saquinho.
Precisa-se de mais canto gregoriano.
Precisa-se de mais humanos.
Precisa-se de mais amor.
Precisa-se precisar de tudo isso.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Notas de um submundo


Notas de um submundo Londrinense

''Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito '' Renato Russo

Aparentemente era só um bar no centro da cidade, velho caindo aos pedaços, cheio de mulheres feias, músicas de bailão, pessoas sujas, mesas de sinuca desniveladas, e cervejas caras, muito caras para um lugar tão rústico.
Haviam homens mal encarados, crianças afoitas do lado de fora pedindo uma moedinha para todos os carros que paravam ali na frente.

As mulheres feias se achavam bonitas, tinham as unhas pintadas de vermelho, ou verde limão quase florescente.
Os cabelos armados e sujos sugerindo a sensação de serem um grande viveiro de lendias e piolhos.
Eu estava ali apenas conversando, bebendo, falando um pouco sobre Marx, sobre Durkheim e o fato social, e tentando associar um pouco do cubismo de Picasso com o expressionismo de Monet que eram os meus preferidos.

Todos no bar aparentavam ter meia idade, nenhum jovem além de mim, aliás, havia um, um gordinho que sempre via pela rua entregando panfletos da igreja comunidade da graça, o que ele estava fazendo ali com um copo de cerveja na mão não era o problema para mim, mais sim o que ele realmente é? Do que realmente precisa?

Passando os olhos pelas paredes úmidas e mofadas pelas baratas saindo da janelinha da cozinha comecei a observar as pessoas e seus comportamentos.
A começar pelo japonês do balcão, que mastigava desdenhosamente um amendoim envelhecido e umas castanhas vencidas, mas um olhar de extrema satisfação. Não entendia por que estava tão satisfeito assim, volta e meia um dos meninos que estavam na porta arrecadando moedas, corria para o Japa, para trocar algumas notas de reais, e o outro que ficava do lado de fora gritava:
De dez, vinte, trás uma de trinta!

Achei estranho por que até onde eu sei no Brasil não existem notas de trinta reais.

No balcão junto com o japonês ainda haviam mais duas figuras marcantes, tudo bem, três.
Um homem forte, alto com a barba e os cabelos grisalhos observando tudo e tomando sua água, parecia até o segurança de lá, ele olhava tudo com cautela, parecia cuidar de todos por ali, mas um olhar capcioso indecifrável, não dava pra saber exatamente o que ele era, parecia estar armado mais isso não me deixava com medo, até me sentia seguro.

Passei a observar o próximo.

Um japonês de pele escura, daqueles que você não sabe se é índio, japonês, boliviano, mal encarado tanto quanto o cidadão da arma na cinta.
Mas este tinha uma cicatriz no rosto, como de quem leva uma facada da esposa bêbada, ele quase não abria a boca, abria apenas para verter seu copo de cachaça, parecia esconder um segredo,parecia ter um plano, todos riam, falavam alto, batiam no balcão, ele apenas fazia um movimento circular com o seu copo antes de encarar a próxima golada. As vezes quando alguém falava alguma coisa engraçada e se direcionava à ele, apenas sorria com os olhos, ainda se importava em não deixar os outros constrangidos.

O outro era apenas um bêbado, daqueles sem dentes, sem voz e que vivem apenas no seu mundo, cantam, falam sozinho, conversam consigo mesmo, não conseguem mais se comunicar com ninguém, nem parecem ser deste planeta, nem parecem existir, indigentes abandonados pela família, este ficava lá no bar para lavar a louça no final da noite,em troca de suas pingas. Depois disso, procurava um papelão qualquer e um cantinho para dormir.

Dei uma olhada panorâmica no bar, e tentei classificar as pessoas que estavam lá. A maioria eram pedreiros, que tinham acabado de sair de suas obras,velhos alcoólatras, e o gordinho da igreja que beijava desesperadamente uma daquelas mulheres feias, na boca, apertava os seus seios em um ato patético achando que ninguém estava vendo, ela adorava, bebia cerveja no mesmo copo que ele.
Existia uns que, de tanto beberem, estavam deitados na cadeira com a boca semi-aberta, e as mulheres feito aves carniceiras , pegavam em seus pênis, mordiam suas orelhas e arrancavam de seus bolsos notas, de dez , de vinte, de cinco e até de dois reais e colocavam em suas bolsas.

Fiquei alguns momentos em estado de choque com tudo o que estava acontecendo, a minha mente tentando associar e organizar tudo o que estava vendo, havia de fato alguma coisa acontecendo ali, não pudia deixar de me aprofundar, queria saber o por que das baratas, das piolhentas, das crianças na porta, da cicatriz do ''japonês preto'', por que o primeiro mal encarado estava armado, e o que o gordinho achava que estava fazendo beijando aquela mulher banguela.
A noite sempre me fez pensar que existe um submundo por de trás das pessoas, não que de dia isso também não seja assim, mais a metamorfose das pessoas ao findar o dia, homens travestidos, uma correria secreta, códigos e dialetos particulares é o que me faz pensar.

A começar que aquilo não era apenas um bar, era um prostíbulo, um puteiro!
Entendi agora a satisfação do japonês dono do bar, e o motivo do preço absurdo da cerveja!
Suas prostitutas feias, arrancavam o máximo de dinheiro dos clientes, pobres pedreiros alcoólatras que largavam suas diárias todas lá, no puteiro do japonês.
Penso na casa destes homens, suas esposas, seus filhos.
As prostitutas treinadas, frutos de um submundo malemolente, sedução, persuasão, e ação, tomam suas presas de maneira predatória, como uma cobra venenosa, que aplica o seu veneno. Eles bebiam, bebiam, elas pediam mais bebidas,(na conta deles é claro) e eles bebiam e bebiam, a ponto de perder os sentidos, e com os sentidos todo o seu dinheiro, e sua honra , ali já estavam mortos e entregues, e os abutres dilacerando suas víceras.

O cara armado, ria e ria muito, ele se chamava Alfredo, um policial corrupto aposentado, ele era literalmente dono das meninas.
Ele as comprava, ou pegava as meninas de rua para ele, menores ou maiores de idade tanto faz, dava a elas onde morar, comida, roupas elegantes,cabeleireiro e manicure, elas realmente acreditavam estar elegantes, afinal um salão de beleza não é para qualquer uma.
Ele era amado por elas, por ser tão caridoso, tirando-as da rua.
Elas se prostituíam todas as noites, e todo o dinheiro que elas conseguiam com um programa, ou roubavam de suas vítimas entorpecidas pelo álcool era dele por gratidão a sua caridade. Quando algumas delas fugia, ele sempre as encontrava, e dava uma surra na frente das outras, até mesmo matava-as.

O japonês preto, eu não sei o nome, sei que ele é um assassino de aluguel, mata por encomenda. Trabalha não só para os traficantes da cidade, como para os advogados mais bem sucedidos dali. Ele já não tinha alma, apenas desejo e prazer em matar, era o seu trabalho, como qualquer outro trabalho, onde se exigem prática e profissionalismo! Algo assim, simples e normal para o submundo. Era amigo de longa data de Alfredo, eram parceiros desde antes de Alfredo se aposentar. Ali ele estava se preparando para o próximo crime, tomando uma cachaça para expulsar seus demônios de culpa e acusação, que insistiam em lembrar o assassino da existência de seus filhos e o futuro dessas crianças. Nem mesmo um desalmado deseja o que há de pior para os filhos.

Aquelas crianças remelentas lá na frente não pediam moedas coisa nenhuma,isso era faixada, passavam drogas ali. Todo tipo, para burgueses, classe média ou para drogadinhos.
Paravam lá, carros como corsa, audi, passat, camionetes de playboys sertanejos, aqueles de chapéu caipira procurando cocaína para curtirem a noite.
Aqueles que se rastejam atrás de uma pedra de crack, com algum objeto roubado, seja qual for, é dez reais!
O preço da pedra. Um par de sapatos, um celular, um computador, qualquer coisa, é dez reais.
E os malandrinhos querendo uma erva para curtirem o visual, e filosofarem sobre coisas absurdamente ridículas.

Os meninos exclusivamente menores para evitar um flagrante e uma apreensão.
A droga não ficava toda com eles, ficava escondida no balcão do Japonês, que controlava todo o dinheiro e o tráfego por ali.
Os meninos prestavam serviço a ele, fazendo disso uma troca com porcentagem de venda e promessas de melhoria.
Os meninos eram todos de rua, viciados nas próprias drogas vendidas, todo o lucro que poderiam ter em dinheiro, consumiam em drogas, essa é a troca.
O velho bêbado, como a gente costuma ver na televisão, foi um empresário bem sucedido nos anos setenta, por conta do seu vício numa certa noite chegou em casa embriagado e ao discutir com sua esposa que não aprovava seu maldito hábito de beber, explodiu os miolos da própria mulher com um tiro certeiro,na presença de seus filhos, desde então enlouqueceu e vive pelas ruas esperando o dia de partida, o dia da sua morte, para que possa reencontrar-lá e explicar o seu pedido de perdão.

Um submundo por de trás das paredes mofadas e das baratas da cozinha, pessoas más, um comércio livre de drogas e prostituição sob os cuidados de Alfredo, que com seus aliados policiais corruptos, mantinham a barra limpa por lá. A patrulha militar não abordava ninguém do bar, faziam vista grossa, em troca disso passavam no final da noite pegar a sua parte em dinheiro pelo favor prestado. As vezes assustavam os playboys drogadinhos uma quadra pra frente do bar, dando lhes uns safanões, ameaçando-os, revistando, tomando a droga deles apenas por diversão e abuso de autoridade.

Um submundo dentro de um mundo, um estado dentro de outro estado, um mercado além do mercado, uma realidade a nos confundir, e o que mesmo é a realidade ? Isto ou aquilo? Até onde nossos olhos podem alcançar, isto é a realidade? O a realidade é o que esta além da nossa percepção comum?
Ou são apenas notas de um submundo londrinense?